BOM MÉDIUM (Autor: Fabiano Pereira Nunes)
Artigo publicado na REVISTA CULTURA ESPÍRITA, do Instituto
de Cultura Espírita do Brasil, ano IV, n. 41, mês de agosto de 2012.
Encontraremos na
narrativa de O Evangelho
Segundo Lucas1 o encontro entre Jesus e um homem rico, de destacada posição
social na comunidade Judaica. Em clara demonstração de reverência e admiração, o
insigne judeu Lhe perguntou: Bom Mestre, que devo fazer para herdar a vida
eterna? Ao que Jesus replicou: Por que me chamas bom? Ninguém é bom, senão só
Deus!
Numa análise superficial, não
encontraríamos justificativa para que o Mestre contestasse o título “bom”, haja
vista que – de fato – Ele o era, e que se tratava de uma saudação amistosa e
reverente. Além disso, diferente de muitas outras autoridades que buscaram Jesus
para confrontá-lo, aquele nobre hebreu desejava, sinceramente, aprender com o
Raboni de Deus.
Por essas palavras, Jesus não anelava
descartar aquele homem rico e bem posicionado, como encontraremos explanado na
magistral interpretação de Allan Kardec acerca da salvação dos ricos, contida em
o Evangelho Segundo O Espiritismo2, muito ao contrário, desejava tê-lo entre Seus
discípulos.
Nada obstante, Jesus nunca desaproveitava
as oportunidades para moralizar e desenvolver inteligências, ensinando a
pensar, e, por conseguinte, ensinando a melhor maneira de bem viver.
O respeito e a deferência são valores
muito nobres, e devem ser aplicados não somente no tratamento para com aqueles
em posição superior, mas também aos cômpares e subalternos, indiscriminadamente,
contudo, poder-se-ia interpretar a postura de Jesus como uma advertência, para
que fugíssemos da prática do enaltecimento exagerado, e da adulação visando
à obtenção de favores e privilégios indevidos.
A sabedoria das lições do
Mestre Amorável são de pragmatismo ímpar, posto que a aplicabilidade de Sua
doutrina logra bom êxito prático em todas as situações da vida, e em qualquer
época histórica, mormente nos dias atuais, onde - a propósito dos ensinos apreendidos
dessa passagem evangélica - poder-se-ia estender a preciosíssima instrução do Nazareno
até um dos maiores escolhos da prática mediúnica: a interferência dos espíritos
imperfeitos nas comunicações espirituais.
Assédio persistente de um
espírito sobre o outro, a obsessão se afigura como o mais grave drama que pode
assolar a tarefa mediúnica3, e nem
mesmo os médiuns mais dignos e moralizados estão livres da ação de espíritos
levianos e pseudo-sábios4, além do
mais, também assevera Allan Kardec que “As boas intenções, a própria moralidade
do médium nem sempre são suficientes para
o preservarem da ingerência dos Espíritos levianos, mentirosos ou
pseudo-sábios, nas comunicações. Além dos defeitos de seu próprio Espírito,
pode dar-lhes guarida por outras causas, das quais a principal é a fraqueza de caráter e uma confiança excessiva na invariável
superioridade dos Espíritos que com ele se comunicam5.”
É possível reconhecer o médium sob má influência pelos
seguintes caracteres, entre outros: confiança
do médium nos elogios que lhe fazem os Espíritos que com ele se comunicam;
disposição para afastar-se das pessoas que podem lhe dar úteis conselhos; levar
a mal a crítica, a propósito das comunicações que recebe6. Dessa maneira, faz-se
compreensível o efeito deletério que produz a aceitação da lisonja pelos
medianeiros, sob qualquer pretexto.
Para preventivo contra
essa intervenção nociva, nunca será demasiado recordar a elucidação proporcionada
pelo Codificador, poderosamente capaz de mudar o ponto de vista do médium no
que diz respeito à própria condição de falibilidade: “Os Espíritos bons aprovam
aquilo que acham bom, mas não fazem elogios exagerados. Estes, como tudo que
denota lisonja, são sinais de inferioridade da parte dos Espíritos7”.
Além do mais, o fiel
apóstolo lionês de O Espírito de Verdade explica que até os melhores médiuns
também são iludidos pelos espíritos inferiores com assiduidade, e que o melhor médium é aquele que,
simpatizando somente com bons Espíritos, tem sido enganado menos frequentemente8. Portanto, Pode-se ser
enganado pelos espíritos sem estar obsidiado, assim como qualquer homem
honestíssimo também pode ser enganado por encarnados vigaristas9:
trata-se de grave advertência do mestre Rivail/Kardec.
A conclusão racional para
os inolvidáveis ensinamentos de Jesus - e de Seu mais excelente intérprete,
Allan Kardec – é que todo médium deve repelir impiedosamente os elogios de todos
os espíritos, ainda que se lhe apresentem como instrutores ou guias, especialmente
se estiverem pregando ser dispensável o estudo metódico e continuado de todas
as obras Kardecianas. São sempre espíritos levianos e pseudo-sábios, que tendem
a se impor aos homens cercando-os de lisonja e assistência, para
conquistar-lhes a amizade e a confiança. O despistamento é o ato de iludir a
vigilância dos médiuns, afastando suspeições.
Declinemos, pois, da
adulação e da blandície indevida, traiçoeiros véus capazes de obnubilar a visão
de nossa real pequenez e de levar-nos aos abismos da perturbação e do erro, jamais
esquecendo que, verdadeiramente, “ninguém é bom, senão só Deus”.
1.
BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo:
Paulus, 2002. 3 a. Impressão: 2004. O Evangelho Segundo
Lucas, cap. 18: 18-9 p. 1821.
2. KARDEC,
Allan: Servir
a Deus e mamon.
O Evangelho Segundo o Espiritismo. Capítulo XVI.
3.
Idem: “Obsessão”. O Livro dos Médiuns.
Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 1. Ed., Rio de Janeiro: CELD Ed,
2010. Segunda parte, Capítulo XXIII, Item 237. p. 283.
4.
Idem: “Qualidade
dos Médiuns”. O que é o Espiritismo. Tradução de Albertina Escudeiro
Seco. 3. Ed., Rio de Janeiro: CELD Ed, 2010. Capítulo II, Item 82. p. 178.
5.
Idem: “Escolhos dos Médiuns”. Revista Espírita, Jornal de Estudos
Psicológicos.
Ano II, Fevereiro de 1859. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 3. Ed. 2.
Reimpressão. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 55.
6.
Idem: “Obsessão”. O Livro dos Médiuns.
Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 1. Ed., Rio de Janeiro: CELD Ed,
2010. Segunda parte, Capítulo XXIII, Item 243. p. 287.
7.
Idem:
“Aforismas Espíritas e Pensamentos Avulsos”. Revista Espírita, Jornal de Estudos Psicológicos. Ano II, dezembro de 1859. Tradução de Evandro
Noleto Bezerra. 3. Ed. 2. Reimpressão. Rio de Janeiro: FEB, 2009. p. 534-5.
8.
Idem: “Influência moral do médium”. O Livro
dos Médiuns. Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 1. Ed.,
Rio de Janeiro: CELD Ed, 2010. Segunda parte, Capítulo XX, Item 226, 9o e 10o.
p. 264.
9.
Idem: “Obsessão”. Ibidem. Segunda parte, Capítulo XXIII, Item 238. p. 283-4.