AUTOPERCEPÇÃO
Autor Fabiano
Pereira Nunes
Artigo publicado na REVISTA CULTURA ESPÍRITA, do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, ano V, n 55. Outubro de 2013, p.15.
Quase de forma
consensual, percebe a sociedade que o ritmo da vida moderna, em velocidade
vertiginosa, produz grandes dificuldades para a formação de vínculos produtivos
nas diversas relações interpessoais e sociais.
Não apenas a
quantidade de tempo dedicada à “vida interior”, mas também a qualidade desse
tempo, tem sido apontadas como fatores causais de relevante peso nos processos
de distanciamento afetivo entre as pessoas, mesmo dentro do lar.
Por conseguinte,
faz-se necessário que os indivíduos se esforcem para tomar consciência dessa
problemática, e busquem caminhos alternativos, com o fito de lograr uma vida
com mais qualidade.
Em tal
perspectiva, o desenvolvimento das qualidades morais e emocionais se nos apresentam
com singular importância. Identificamos, nesse sentido, na autopercepção uma
poderosa alavanca para o aprimoramento.
Define-se a
autopercepção (1) como uma capacidade de perceber e compreender o próprio
estado de espírito, emoções, impulsos, bem como seus efeitos nas outras
pessoas.
Valiosa
competência emocional, o constante reconhecimento do próprio estado de espírito
permite que identifiquemos os próprios sentimentos, e seus impactos nas
relações com familiares, amigos e com os diversos segmentos sociais.
E para a melhor
compreensão do valor da autopercepção faz-se, invariavelmente, útil apreender
nos ensinos de Jesus, e na interpretação Kardeciana desses ensinos, as mais
robustas referências.
Encontraremos
descrito no Quarto Evangelho, o chamado Evangelho segundo João (2), o anúncio
da traição de Judas, onde Jesus, antes de declarar que seria traído, perturbou-se
interiormente e afirmou que seria um dentre os discípulos que o faria. Simão
Pedro, através de um gesto, pede ao “discípulo amado” que pergunte ao
Senhor quem seria esse traidor.
Como seria
natural acontecer, o estado de perturbação interior e o anúncio da traição
causaram grave impacto nos amigos e familiares de Jesus, reunidos em mais uma
celebração Judaica: a Páscoa.
Nada obstante,
Jesus – numa impressionante exemplificação de autopercepção e redirecionamento
emocional – revertera toda a disposição emocional negativa que sucedera,
através de Suas atitudes transbordantes de amizade, lealdade e afeto, mais
ainda, através de Seus discursos altamente positivos e otimistas:
“Cesse de perturbar-se o vosso coração!
Credes em Deus, crede também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se
não fosse assim, eu vos teria dito, pois vou preparar-vos um lugar, e quando eu
me for e vos tiver preparado um lugar, virei novamente e vos levarei comigo, a
fim de que, onde eu estiver, estejais vós também”(3).
Admiráveis
palavras, impregnadas de compaixão e empatia.
Allan Kardec,
demonstrando sua ímpar qualidade de educador, em O Livro dos Espíritos (4) nos
elucida - de forma pragmática - sobre o
desenvolvimento da percepção com vistas ao adiantamento moral e intelectual.
Dando publicidade à instrução do espírito Agostinho de Hipona, onde esse
expoente da Codificação oferece seu método pessoal de reforma íntima, o
Codificador do Espiritismo apresenta à humanidade uma forma prática e segura
para que ela percorra a senda do crescimento. Instrui o espírito Agostinho:
[...] “Fazei o que eu mesmo fazia, quando vivi na
Terra: no final do dia, interrogava minha consciência, passava em revista o que
tinha feito e me perguntava se não havia faltado a algum dever, se ninguém
tivera motivo de se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a
ver, em mim, o que precisava de reforma. Aquele que, todas as noites,
relembrasse todas as suas ações do dia e se perguntasse o que fez de bem ou de
mal, rogando a Deus e ao seu anjo guardião que o esclarecessem, adquiriria uma
grande força para se aperfeiçoar, pois, crede-me, Deus o assistiria. Perguntai,
portanto, a vós mesmos e interrogai-vos sobre o que tendes feito, e com que
objetivo agistes em tal circunstância; se fizestes alguma coisa que
censuraríeis, da parte de outrem; se praticastes uma ação que não ousaríeis
confessar. Perguntai ainda isto: Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento,
teria eu que temer o olhar de alguém, ao retornar ao mundo dos Espíritos, onde
nada fica oculto? Examinai o que podeis ter praticado contra Deus, depois,
contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas serão um
repouso para vossa consciência ou a indicação de um mal que precisa ser curado.”
[...]
Portanto, a
despeito do ritmo alucinante da vida hodierna, dediquemos tempo à “vida
interior” e façamos o exercício recomendado por Agostinho-espírito em O Livro
dos Espíritos, para que não nos distanciemos das pessoas, sobretudo dentro do nosso
lar.
Diante desse
desiderato, desenvolvamos a autopercepção como poderosa alavanca para colimarmos
as melhores qualidades morais e emocionais, necessárias à vida pessoal e social
com real qualidade.
REFERÊNCIAS
(1)
GOLEMAN,
Daniel. Trabalhando com a Inteligência Emocional. Tradução M H C
Cortês. Editora Objetiva, Rio de Janeiro: 1999. p.63-86.
(2) BÍBLIA. Português. Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. São Paulo:
Paulus, 2002. 3 a. Impressão: 2004. O Evangelho Segundo João, Cap.
13, versículos 21 e 22. p. 1878.
(3) Idem.
Ibidem. Evangelho
Segundo João, Cap. 14, versículos 1 ao 3. p. 1879.
(4) KARDEC,
Allan. O Livro dos Espíritos.
Tradução de Maria Lúcia Alcantara de Carvalho. 2ª Ed., Rio de Janeiro: Leon
Denis Gráfica e Editora, 2011. Parte Terceira, capítulo XII, Conhecimento de si
mesmo, Q. 919. p.416-18.