AUTOPROMOÇÃO
Autor Fabiano Pereira Nunes
Artigo publicado na REVISTA CULTURA ESPÍRTA, do Instituto de Cultura
Espírita do Brasil, ICEB, ano IV, n 45, dezembro/2012.
Define-se autopromoção como
a prática de alardear os próprios atos, atributos ou méritos(1).
Consequência natural do
anseio pelo reconhecimento notório, quando é vivenciada de forma equilibrada
pode lograr justos benefícios nas esferas pessoal e profissional, conquanto,
quando desmedida, também pode levar a resultados muito perturbadores.
E diante do desafio de se obter o
salutar equilíbrio entre não ufanar-se dos próprios atributos e labutar por um
justo prestígio, nunca será demais recordar que temos em Jesus o tipo da
perfeição moral a que a humanidade pode pretender na Terra(2).
Na narração
contida em O Evangelho Segundo Mateus(3)
encontraremos singular reflexão, à propósito da passagem sobre a profissão de
fé e primado de Pedro(3).
Chegando
Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos quem dizem
os homens ser o Filho do Homem, e eles responderam que uns afirmavam que o Filho
do Homem é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é Jeremias ou
um dos profetas. Em vista disso, Jesus outra vez interrogou a eles: “e vós,
quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro, respondeu-Lhe “Tu és o Cristo, o filho do
Deus vivo”, ao que Jesus obtemperou: “afortunado és tu, Simão, filho de Jonas,
porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está
nos Céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
minha Comunidade, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te
darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos
céus, e o que desligares na terra será desligado nos céus”.
Em seguida, Jesus
- severamente - proibiu aos discípulos de propagarem que Ele é o Cristo.
Natural indagarmos por qual razão teria
Jesus, com tanta contundência, coibido aos Seus discípulos divulgarem ser Ele o Cristo?
Insofismável,
encontraremos a exegese mais lógica, racional e inspirada para todo nó interpretativo
do Novo Testamento na vasta literatura publicada pelo Codificador do
Espiritismo, Allan Kardec.
Conforme elucida insigne Exegeta de
Lion(4), Jesus anelava que o povo
descobrisse Sua condição Messiânica não pela propaganda daqueles que O seguiam,
mas pela observação da sua vida e virtudes. Notaremos, claramente, tal intenção
também na passagem em que João Batista Lhe envia seus discípulos, para
perguntarem se Ele era o Cristo, ao que Jesus, de maneira surpreendente, não
respondeu “Eu o sou”. Haja vista que qualquer falso-messias poderia dessa forma
intitular-se, Ele não lhes fala nem de seus prodígios, nem de coisas extraordinárias,
nada obstante, simplesmente respondeu: “Ide dizer a João: os cegos vêem, os
doentes são curados, os surdos ouvem, e o Evangelho é anunciado aos pobres.” Allan
Kardec prossegue esclarecendo que isto era o mesmo que lhes dizer “Reconhecei-me
pelas minhas obras, julgai a árvore pelo fruto”, visto que esse era o
verdadeiro caráter da sua missão divina.
Segundo o ensino do Codificador(5), O Cristo não somente ensinara a Lei
de Deus, como também dera o exemplo da prática dessa Lei, através da sua caridade,
sua mansuetude, sua humildade, e sua paciência ao sofrer, sem queixas, os
tratamentos mais ignominiosos e as mais acerbas dores.
Interessante notar, igualmente, o atilamento
da resposta dos Bons Espíritos, publicada na questão 625 de O Livro dos
Espíritos(2), acerca de qual o tipo
mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo:
“voyez Jésus”, isto é, “vede
Jesus”, “olhe Jesus”, ou ainda “observe Jesus”.
Historicamente, acredita-se que Jesus
falava um dialeto semítico muito específico, o aramaico da Galileia(6). Além desse, ao Seu tempo o aramaico
ainda possuiria sete subgrupos, como o aramaico samaritano e o aramaico da Judeia.
Afora os dialetos de aramaico, o grego era usado
extensivamente nos centros urbanos. O hebraico era a lingua culta das Sagradas
Escrituras Judaicas, não falada usualmente. Poder-se-ia concluir, pois, que
haveria uma grande dificuldade do povo, não Galileu, em entender o significado
das exatas palavras de Jesus, devido ao regionalismo linguístico. Soma-se a
isso o fato - bíblico - de enormes multidões estarem sempre junto Dele, o que
tornaria muito dificultoso ouvir Suas pregações.
Por conseguinte, toda a Sua doutrina foi apreendida pelo povo vendo-O em
ação, pela observação direta de Sua vida - reta e feliz, a despeito de todas as
vicissitudes - plena em caridade irrestrita, abastada em amizades, usufruindo a
prazer de bem viver os valores morais e espirituais.
Não nos preocupemos, porquanto, em ter reconhecidos e divulgados nossos
méritos. Resistamos à ânsia pelos confetes mundanos. Se esses méritos – de fato
– existirem o tempo se encarregará de adequar-nos o justo valor. Vivamos em
prol das conquistas morais, cujo reconhecimento só ocorrerá de nós para conosco
e para com Deus, sempre convictos de que somente o desenvolvimento moral pode
transformar, para melhor, todos os setores da nossa vida.
Referências bibliograficas:
1.
HOUAISS, Antonio; Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua
Portuguesa, versão 1.0. Editora Objetiva Ltda. 2009.
2. KARDEC, Allan. Le
Livre Des Esprits. Quatorzième Édition. Didier Et Cie
Libraires-Éditeurs, Paris: 1866. Q.625. p.
268. As primeiras edições francesas de O Livro dos Espíritos, assim como as
demais obras de Allan Kardec, podem ser lidas no site “Google Livros”, através
da URL http://books.google.com.br/books?id=XC44AAAAMAAJ&dq=le%20livre%20des%20esprits&hl=pt-br&pg=PP7#v=onepage&q&f=false
3.
BÍBLIA.
Português. Bíblia
de Jerusalém. Nova
edição rev. e ampl. São Paulo: Paulus, 2002. 3 a. Impressão: 2004. O Evangelho
Segundo Mateus, cap. 16, versículos 13 ao 20. p. 1733-4.
4.
KARDEC, Allan. A Gênese. Os Milagres e As
Predições Segundo o Espiritismo. Tradução
de Albertina Escudeiro Sêco. 2. Ed., Rio de Janeiro, Leon Denis Gráfica e
Editora: 2007. Cap. XV. Item 27. p. 349.
5.
KARDEC, Allan. A Gênese. Os Milagres e As
Predições Segundo o Espiritismo. Tradução
de Albertina Escudeiro Sêco. 2. Ed., Rio de Janeiro, Leon Denis Gráfica e
Editora: 2007. Cap. XI. Item 46. p. 254-5.
6.
Aramaico. In: Wikipédia – A enciclopédia livre. Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Aramaico#Dialetos_falados_na_.C3.A9poca_de_Jesus . Acesso em outubro de 2012.